quinta-feira, 31 de julho de 2008

nem foi tempo perdido, somos tão jovens;





os dois eram jovens e experimentavam a sensação de viver juntos pela primeira vez. ela insistia em dizer que era fácil ferver o feijão, fritar o bife e assar a batata ao mesmo tempo, mas ele sempre queimava o feijão, deixava o bife cru e a batata sem dourar. ela falava da toalha molhada em cima da cama, ele da calcinha pendurada no box; ela pedia mais tempo para se arrumar e que a suíte seria melhor utilizada se fosse só pra ela, ele se contentava com o outro banheiro, contanto que ela ficasse pronta mais rápido.
quando ele pegava o carro, percebia que seus óculos escuros haviam parado em outro lugar - talvez em algum compartimento secreto que desconhecia, ela pedia para se concentrar mais no trânsito e pedir informação a alguém quando estavam perdidos... ele preferia tentar acertar o caminho e dizer que estava tudo sob controle; quando ela pegava o carro, dizia que estava sujo e que o retrovisor estava desajeitado, ele fingia em concordar e comentava que naquela rodovia a velocidade máxima era 120km/h e não a metade como eles estavam.
uma vez ela retrucou dizendo que 120km/h era a velocidade MÁXIMA - fazendo questão de enfatizar o 'máxima' - e não a obrigatória e com um ar de satisfação no rosto trocou a estação do rádio de rock para bossa nova e ele optou abrir o porta-luvas, pegar seu ipod e ouvir suas músicas sossegado para aquela conversa não virar uma discussão sobre o relacionamento, mesmo sabendo que por dentro ela pulava de alegria pela vitória enquanto o espiava de rabo de olho com um tom de superior. a estação de rádio era horrível e tocava uma mistura de bossa com axé e para não descer do salto ela cantarolava e arriscava completar o refrão totalmente previsível. ele percebeu a tentativa de ela permanecer vitoriosa, deu um sorriso bobo e confirmou, mais uma vez, o porque daquela união... o plano era fazer o pedido na pousada, mas pra que esperar se o podia fazer ali mesmo, se redimindo de fez e firmando a vitória dela ? puxou um embrulho escuro do bolso, o carro parou no semáforo, ela o abriu e olhou para ela - seu olhar dizia tudo. ela esperava o pedido, não tão rápido, mas esperava... ela até fazia planos e o acontecido não foi como ela esperava, não havia uma praia com a lua cheia ao fundo, não havia jantar a luz de velas e não havia flores, mas havia o romance, havia o amor da sua vida querendo passar o resto de suas vidas juntos. ela só conseguiu balançar a cabeça positivamente, derramar um lágrima solitária de alegria e receber de seu futuro marido um carinhoso beijo. nesse exato momento gritos e buzinas começaram a soar e o que parecia ter durado horas foi o tempo de acender a luz verde do semáforo e eles perceberem que ao redor de sua felicidade, havia muito estresse.

passaram alguns anos... na verdade muitos anos. eles estão velhos, desgastados pelo tempo e com filhos crescidos. hoje essa história veio a tona enquanto ela, pacientemente, tentava pôr mais água no feijão para disfarçar o gosto de queimado, fritar um pouco mais o bife e dourar a batata que o marido nunca conseguiu preparar do modo correto. ele estava na sala de jantar preparando a mesa para receber seus filhos. depois de uns dez minutos ela leva a comida para a mesa, se enche de felicidade em ver todos reunidos e diz que a comida do marido parece deliciosa.